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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Cotidiano Manifesto- A Parada Gay e as Vuvuzelas

        Nos últimos meses supreendo-me cotidianamente com a legitimidade expressa nos mais variados discursos e conseqüentemente nas práticas desenhadas por estes. Práticas e discursos quase sempre direcionados a subalternização de quaisquer indivíduos não normatizados, ou seja, daqueles que se negam a ocupar os patamares mais elevados da uma suposta hierarquia social. Outr@s sob os quais perpassam rótulos como o nojo, o asco e a abjeção (sobre a abjeção consultar os textos da teórica Judith Butler).


        Impossível não repensar o estarrecimento que senti ao me deparar com uma faixa em frente a Universidade de São Paulo- uma das maiores produtoras de conhecimento no país! – é  importante lembrarmos o local de exposição da referida faixa. A visibilidade pública da faixa “Parada Gay. Você optou por isso?” tornou público também os discursos que produzem e reproduzem muitas das condutas que visam a manipulação negativa das diferenças. Discursos e desejos desses “Sujeitos-Outr@s” são das questões em voga para a “humanidade” do século XXI. Afinal, quem são esses “Outr@s” que simplesmente negam normas e negam, ainda, uma vida estabelecida segundo essas mesmas normas? Quem são esses “Sujeitos-Outr@s” capazes optar pela legitimidade de suas escolhas?
            Poderia me supreender com manifestações de patriotismo durante os jogos da Copa. Poderia me supreender com passeatas, camisetas verdes e amarelas, bandeiras, fogos, cidades paradas  após um 3X0 entre Brasil e Chile ou após a derrota da seleção canarinho, na Copa do Mundo da África do Sul, a copa das Vuvuzelas. A primeira copa sediada por um país localizado no segundo continente mais populoso e terceiro mais extenso do mundo, mas isso não me surpreende, não surpreende a praticamente nenhum de nós, afinal ser patriota é legítimo, ou melhor, é esperado. Ilegítimo neste caso seria reconhecer a qualidade técnica e a irreverência do time de Diego Maradona? Seria ilegítimo, mas não seria nojento, asqueroso ou abjeto. Não seria mais que mero acaso a primeira edição do maior evento futebolístico do mundo ocorrer apenas agora- 2010- no continente africano? Seria válido investigarmos a emergência das Vuvuzelas? Penso que sim. Tenho estado um pouco confusa quando a isso, algumas vezes chego a acreditar que nunca havia tocado ou mesmo visto uma corneta antes das Vuvuzelas. Alguém poderia me auxiliar a relembrar o que havia pré-vuvuzela? A relação tem se tornado tamanho compreensível que dá plena visibilidade a relação, que extrapola a subjetividade, entre a tal “inaudível” Vuvuzela e a primitividade delegada àqueles “Outr@s”.
            Numa simples caminhada, a menos de uma semana da II edição da Parada Gay da Cidade de São Carlos, caminhada que coincidentemente, ou não, me levaria de volta a bolha, sou agredida ao ler a seguinte faixa: “Parada Gay. Você optou por isso?”- neste mesmo instante ouço as Vuvuzelas entoarem um coro infinito. Diferentes desconfortos? Diferentes processos de subalternização d@s “Outr@s”?
            Voltemos a faixa e as Vuvuzelas. Por sinal pensei em ir a Parada com uma Vuvuzela, seria essa a materialização das intersecções? Talvez sim. É complexa a opção por vidas marcadas pela negação do estabelecido. A compreensão das formas de constituição humana marcadas por uma existência nas bordas ou nas margens, como preferirem, transforma os processos de subjetivação e de racionalização, e por que não, dos desejos. O cotidiano, esse mesmo que vivo e vivemos, com todos seus processos compulsórios de normatização e estabelecimento agride veementemente todas as vidas que não completam os requisitos de humanidade vigentes. Ser humano no século XXI requer respostas positivas aos requisitos da masculinidade, da heterossexualidade, da branquidade e da ocidentalidade.
            Todas as vezes que penso ou descrevo esta seqüência sinto um grande incomodo ao tentar imaginar quem seria esse ser humano. Lembro-me do fantástico Machado de Assis em “O Alienista”, arriscaria dizer que no século XXI 99% dos seres, não são seres portadores de humanidade. Reflito, como devem reagir os seres humanos ao depararem-se com seus pares que optaram pela tênue fronteira que os aproximam dos Outr@s 99%, dos Outr@s semi-humanos, ou mesmo, sub-humanos. Sim, muit@s optam por isso, optam pela busca das experiências contidas na humanidade. 
            A mesma experiência que constitui marco da vida humana. Fato que nos faz refletis sobre a constituição hierárquica da experiência que cria e recria a todo instante relações diversas com este mesmo cotidiano. Reações que me mantiveram estarrecida cerca de 5 minutos em frente a uma faixa. Estarrecida frente a lógicas que subalternizam e rechaçam práticas, corpos e desejos  que são, estes sim, opções!